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Destaque no Dekmantel, a DJ Barbara Boeing fala sobre carreira, cena curitibana e planos internacionais

Viver num país imenso como o Brasil tem suas vantagens e desvantagens. Por um lado, suas fronteiras comportam uma imensa diversidade, por outro, essas dimensões acabam por nos distanciar ou até isolar em bolhas de consumo e conforto.

Muito provavelmente foi esse fenômeno que manteve uma DJ excepcional como Barbara Boeing florescendo bem debaixo do nariz dos grandes locais de difusão da música eletrônica no país. Ainda que ela tenha se lançado e desenvolvido num dos principais destes centros, Curitiba, sua trajetória recente de acentuada ascensão e conquista de um amplo e merecido reconhecimento faz até parecer com que ela tenha acabado de chegar.

Contudo, nada estaria mais longe da verdade: Barbara já conta uma década de dedicação à nobre arte de mover quadris e expandir mentes e, exceção feita a um breve hiato no qual aproveitou para recarregar energias e reforçar sua fé no ofício, ela se manteve firme e fiel a esta missão.

Esse é mais ou menos o foco desta conversa que tivemos com uma DJ que, a cada nova performance, granjeia mais admiradores fazendo algo tão simples como essencial para todos nós: compartilhar o que ama.

Comecemos do começo então: como essa jornada se iniciou?

Já faz dez anos que toco e isso sempre foi impelido pelo meu amor pela música. Eu comecei fazendo um curso na AIMEC, a escola de DJing e produção que é daqui de Curitiba, tendo como colega com o Felipe Muller. Éramos devotados àquilo e treinávamos muito junto, tudo motivado pela paixão e o quão divertido era para mim poder tocar o que gosto para outras pessoas.

Por quê? Ia além dos seus planos se tornar uma DJ profissional?

Sem dúvida, eu sou formada como engenheira, fiz MBA e trabalho com engenharia civil, amo o que faço e não tenho intenção de parar por qualquer motivo até aqui. Então quando tudo começou ficar mais “sério”, foi uma surpresa.

E fica cada vez mais sério, né? Até aqui só temos visto você tocar mais ganhar mais projeção com seu trabalho “nightjob”, chegando até a figurar em festivais como o o Dekmantel.

Olha, até agora eu nem sei como tudo aconteceu. Tocar num festival como esse que eu conheço admiro justamente pela dedicação integral à música que ele sempre demonstrou é meio que um sonho, ainda nem processei direito isso. Assim como ter sido convidada para fazer um dos podcasts da série que prenuncia o festival.

Mas e aí, e se houvesse alguma obra extremamente importante que exigisse sua presença no dia do Dekmantel. Como enfrentaria esse dilema?

Que pergunta cruel! Eu nem sei como lidaria com isso. Mas felizmente o meu “dayjob” na construção civil é muito regrado e eu trabalho apenas em dias úteis, então uma escolha dessas nem se colocaria para mim. E eu sei que quase todo mundo neste meio tem um dayjob e dão um jeito, então eu também daria.

Desse modo, imagino que fique mais fácil harmonizar essas duas dimensões da sua vida, evitando conflitos, não?

Eu tenho minha carreira que é bem estável e esse alter ego artístico que me dá muita felicidade, ambos me realizam e até aqui consegui conciliá-los muito bem. O regramento da minha vida semanal me ajuda a manter os finais de semana estáveis e intactos.

E sem excessos também?

Ah sim, eu tento me manter sóbria quando toco, mesmo porque eu sou muito perfeccionista, gosto de estar em pleno controle de tudo que faço e, querendo ou não, isso acaba interferindo na sua percepção de tudo e, consequentemente, na sua precisão tocando. E eu sou bastante exigente nesse aspecto comigo mesma.

Será que é a engenheira em você falando mais alto?

Pode ser, mas a coisa mais importante que aprendi nesse universo foi que todo mundo envolvido leva o que faz muito a sério. E me envolver nisso foi algo que expandiu minha perspectiva a respeito do profissionalismo de quem faz festas. Eu vi e vivi isso com a Alter Disco e não tenho vergonha em dizer que até ali enxergava o mundo da noite como um universo bem menos prático, até amador, algo que obviamente decorria de minha visão de mundo informada pela engenharia, então tive a oportunidade de vivenciar todos os riscos e tribulações que fazem parte desse universo de perto. Essa postura do DIY, toda essa coragem de meter as caras e não saber o resultado ou sequer esperar um retorno financeiro e tê-lo como certo foi realmente algo que abriu meus olhos e me mostrou outra dimensão da vida noturna, extremamente profissional e indiscutivelmente dedicada.

Tudo isso se passou com você como membro da Alter Disco, certo?

Sim, a festa sempre teve como intuito trazer algo novo musicalmente para Curitiba, algo que não tinha muito espaço entre o que se ouvia comumente nos clubs da cidade. Começamos fazendo nosso eventos e eles granjearam um público que acabou de tornando fiel, aberto ao que tínhamos a oferecer. E aí aprendi o quanto de trabalho e comprometimento vão no simples ato de realizar um evento, de qualquer tamanho, algo que eu até tinha como uma aventura, algo menor. Um mundo que ara meio  alheio a mim graças à minha formação acadêmica e profissional, mas que comecei conheci melhor e admirar muito mais com o passar do tempo e do aprofundamento da minha participação nele.

E o quanto isso teve a ver com seu desenvolvimento como DJ? Qual o lugar de Curitiba no que a Barbara Boeing se tornou hoje?

Lidar com sua terra natal é sempre algo conflituoso, te lapida pela pressão contra e a favor, te te molda pelo que te dá e te priva. Eu comecei tocando minimal quando ninguém tocava isso por aqui e tive um recesso no qual nem pensava em tocar, estava farta de muita coisa e fazer isso não me realizava mais tão plenamente como um dia fez, ainda que meu trabalho como DJ apenas exibido online tivesse me levado até Fortaleza. Foi uma transição difícil, mas a paixão pela música persistiu, ainda que focada em outras formas de fruição e execução: home listening e tocar numa banda de Indie Rock com amigos. Acabei voltando por insistência e insistência dos meus colegas e amigos da Alter Disco, tocando esporadicamente, sem compromisso e, quando fui ver, eles mesmos me falaram que eu já tinha retornado e sequer tinha notado.

Se ouvirmos um set atual seu ele tem pouca semelhança com o que se considera “minimal” hoje em dia ou estou sendo radical?

Claro que houve uma guinada. Eu mudei, Curitiba mudou, meu som mudou, a pista mudou e acho que hoje ela está mais diversa, tanto que pude me transmutar sonoramente e ter mais liberdade nas minhas viagens musicais sem me preocupar com algum tipo de rejeição, já que neste âmbito o público tende a ser mais aberto. Eu gosto de tocar edits e adoro me aventurar tentando segurar a mixagem naquelas irregularidades rítmicas que são típicas de músicas não quantizadas ou sequenciadas eletronicamente.

Foi essa abertura que acabou lhe trazendo mais oportunidades de se expressar como DJ?

Certamente, além do fato de que sempre me esforcei para trazer o meu melhor para um grupo de artistas que considero imensamente e me ajudaram por conta disso. E daí poder tocar em festas como a Mareh, a Selvagem ao lado do Millos e do Trepanado, no Dekmantel junto a tanta gente que admiro é uma decorrência dessa conjunção de fatores, externos e internos.

E isto também se insere numa cena que se abriu mais para os talentos femininos, não acha? Como você essas conquistas coletivas como uma mulher que lida com dois âmbitos profissionais tão predominantemente masculinos?

Eu aprecio a luta e todas os avanços que resultaram dela, mas eu também tenho muito apreço pelo que é feito em termos estritamente artísticos e se há algo que me deixa um tanto inquieta na militância é quando vejo pessoas tentando converter isso em êxito profissional direta e exclusivamente. Há um processo de inclusão que é gradativo e deve ser constante, mas os parâmetros de competência não deveriam ser alterados por ele. Todos se provam e testam mutuamente e essa admiração pelo que se procura fazer bem pelos seus seus pares é inestimável. Veja a engenharia, por exemplo, eu trabalho num ambiente majoritariamente masculino durante quase toda a semana e tenho essa dose de respeito hierárquico dos homens que trabalham comigo, mas ela também passa pela minha competência específica na área e meu papel no conjunto que formamos ali. Claro que, por vezes, eu preciso prová-la de forma mais enfática, mas isso está mudando. Há algumas décadas havia apenas uma mulher se formando em engenharia a cada turma nas universidades, na minha turma já haviam muitas mais e hoje em dia elas chegam quase à metade. Estamos progredindo, mas não aos trancos e muito menos aos berros, são atos e feitos que mudam coisas.

E quais são os próximos passos como DJ?

Logo após o festival eu vou aproveitar umas férias , que também será a minha primeira viagem internacional completamente sozinha. É algo meio assustador, mas é uma jornada de autoconhecimento que acredito que será muito revigorante e importante de forma geral. Acabei sendo convidada para tocar no Salon Zu Wilden Renate e vou explorar todas as possibilidades que essa viagem abrirá para mim. Desde novembro até aqui tudo tomou um ritmo tão intenso e tresloucado que fica até difícil considerar muitas etapas.

Alguma pretensão em produzir se insinua no horizonte?

Até o momento, não. Eu sou muito engenheira nesse sentido e gosto de ter tudo bem planejado ou, ao menos, estruturado no meu horizonte antes de assumir esse tipo de compromisso, prefiro vislumbrar algo e ver isso se desenvolvendo de forma organizada. Eu amo pesquisar e tocar música, sendo que isso já consome muito do meu tempo fora da engenharia civil, e só me meteria em mais uma atividade musical no dia em que parasse de fazer isso, o que não vejo acontecendo por ora.

Se houvesse algum conselho, palavra de sabedoria ou palpite que pudesse oferecer às gerações mais jovens que entram agora nessa seara, qual seria?

Acho que frisar que ser DJ exige uma dedicação enorme, tem de gostar muito do que faz para lhe dar ânimo para treinar bastante o que quer fazer para se tornar bom no que fará. E se você tem um gosto próprio e confia nele, vai conseguir criar algo muito bonito se expressando através do que ama, mas isso também exige habilidade e ela vem com a prática. E, por último, eu acho que se abrir faz parte desse amor, escutar sons sem preconceitos e sem se fechar num estilo. Vejo algumas pessoas sendo muito puristas hoje em dia, escutando somente um gênero e mixando apenas ele. Existe muita música de qualidade no mundo, você perde muito na vida quando se fecha em somente um!

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