TEXTO POR ISABEL NOGUEIRA E GABRIELA GELAIN
Janeiro de 2017 marcou a primeira edição do Girls Rock Camp em Porto Alegre, projeto que vem sendo planejado desde o final de 2015 por uma equipe composta por Liege Milk, Lisi Zilz, Leticia Rodrigues, Joana Ceccato, Isadora Nocchi Martins, Desireé Marantes, Julia Barth, e Brunella Martina. Entre 23 e 27 de janeiro, as campistas tiveram oficinas de fanzine, identidade, expressão corporal, defesa pessoal e do instrumento desejado (baixo, guitarra, bateria, vocal ou teclado).
Recebemos 30 campistas, entre 7 e 17 anos, inscritas para tocar baixo, guitarra, bateria, teclado e vocal, que formaram seis bandas e, ao longo de uma semana, compuseram e tocaram uma música, criaram um nome, um logo e uma camiseta para essa banda. E até fizeram um show no bar Ocidente, em Porto Alegre. Somos o Girls Rock Camp Porto Alegre!
O primeiro Girls Rock Camp iniciou com o nome de Rock n Roll Camp For Girls, um acampamento diurno para meninas que tem como objetivo reunir garotas que queiram aprender a tocar instrumentos e mulheres que estejam animadas para ensinar, ou seja, uma rede feminina. Durante uma semana, as garotas aprendem a tocar o instrumento que desejam, participam de oficinas de fanzines, identidade, expressão corporal, autodefesa feminina e, ao final da semana, se apresentam com sua banda e mostram uma música autoral. Assim, o Girls Rock Camp tenta fazer com que o mundo do rock, mais as questões de gênero, sejam integrados e que, ao mesmo tempo, encontrem estratégias positivas para aumentar a autoestima de garotas.
No treinamento, as idéias do respeito às campistas, suas falas, gostos e desejos, estimular, incentivar sua criatividade, sem julgamentos prévios, valorizando e apoiando o que elas fazem são itens que descrevem de forma prática, direta, objetiva e cotidiana o que muitos dos textos sobre empoderamento, feminismo e igualdade de gênero falam.
GIRLS ROCK CAMP NO BRASIL
Os encontros de mulheres na música começaram no Brasil com a organização do primeiro Ladyfest nacional, em 2004. O evento foi organizado pelas integrantes da banda Dominatrix que, dois anos antes, havia tocado no Ladyfest Holanda. Assim, durante os Ladyfests ocorriam debates de diversas pautas feministas, como questões de gênero, identidade, virgindade, feminismo jovem, violência contra a mulher. Foi durante a turnê européia do Ladyfest Amsterdam que o Rock N Roll Camp for Girls iniciava.
Depois da experiência de Flávia no Ladyfest na Holanda e de ter trabalhado durante três anos consecutivos no Rock n Roll Camp for Girls nos Estados Unidos, Flávia Biggs, hoje diretora do Girls Rock Camp Brasil (também socióloga e ativista) começou a fazer a Oficina de Guitarra para Meninas, em Sorocaba. Após três anos, quando viu que outras amigas estavam organizando algo que lembrava o que aprendeu no acampamento norte-americano, iniciou um “chamamento geral” para realizar o acampamento no Brasil. Atualmente, segundo Flávia Leite, o que move a prática brasileira de maior fôlego em relação à subcultura Riot Grrrl no país é o Girls Rock Camp (GRC). O GRC acontece desde 2013, em Sorocaba (São Paulo) com voluntárias do Brasil todo, geralmente mulheres envolvidas de algum modo com a cena Riot Grrrl e com o movimento feminista no país.
O acampamento Girls Rock Camp Brasil segue dialogando com o movimento feminista, e são feministas interseccionais, onde há o recorte de gênero, raça, classe, sexualidade. As feministas insterseccionais percebem e enfatizam que as mulheres não sofrem o mesmo grau e modo de opressão, uma vez que mulheres de diferentes realidades vivenciam outros sistemas que dizem respeito a questões de raça, etnia, classe e sexualidade. Desse modo, reconhecem diferentes realidades para além de mulheres de classe média, brancas e heterossexuais.
Quando questionada sobre onde a subcultura Riot Grrrl está presente em sua vida, a voluntária Letícia Rodrigues, instrutora de bateria do Rio Grande do Sul de 38 anos, comenta sobre o Girls Rock Camp e a transformação individual das meninas e mulheres através do acampamento. “A gente vai empoderando uma a outra. Porque é uma mudança bem profunda, não se restringe só a quem toca ou a quem ouve música, ela acontece profundamente na pessoa. Isso que é massa. Uma transformação pessoal. É isso que a gente quer passar no Girls Rock Camp ou em qualquer outro projeto que envolva meninas. Não é porque elas vão aprender a tocar um instrumento em uma semana, não interessa se elas vão continuar. O que desperta nelas é que é muito maior, sabe. Que é essa coisa da sororidade, a cooperação entre as mulheres, o fortalecimento entre as mulheres. O espaço das mulheres”, acredita Letícia.
“Participei do Girls Rock Camp como jornalista e conheci as meninas que organizam. Elas vivem intensamente a subcultura Riot e é um universo incrível e seguro para mulheres. Também fui a um show beneficente para o Chicas Rockeras (GRC para meninas latinas em Los Angeles) e foi a mesma sensação de empoderamento”, diz a voluntária Luiza, de 21 anos, de São Paulo.
Consequentemente, os acampamentos aos moldes do Girls Rock Camp não são apenas acampamentos diurnos musicais, são programas que apresentam uma comunidade de mulheres que resistem ativamente à sua subordinação cultural e trabalham para promover uma mudança social. As voluntárias dos acampamentos fundem sua motivação pessoal com o desejo de ajudar outras gerações a estimular o envolvimento com suas cenas musicais, através de história da música das mulheres, aulas feministas e produções Do It Yourself.
Assim, o Girls Rock Camp é um acampamento que atrai diversas mulheres (musicistas, oficineiras, ativistas) de partes diferentes do país, além de fãs e seguidoras que se inspiram na ideia. O GRC busca, principalmente através dos ambientes digitais, voluntárias e auxílio para que se mantenha ativo, e continua a divulgar ideias feministas e de empoderamento de meninas e mulheres através da música. Muitas das organizadoras dos eventos (tanto do Girls Rock Camp de Sorocaba quanto o de Porto Alegre) são em sua maioria mulheres que de algum modo estiveram ligadas ao Riot Grrrl ou o movimento feminista há alguns anos. Algumas já são mães, trabalham, têm bandas, dão oficinas.
Se é uma experiência transformadora para cada uma das campistas, é assim também para as voluntárias, instrutoras, mediadoras, MCs (mestres de cerimônia), oficineiras, cada uma de nós que fazemos o Camp acontecer. Elaborar os cartazes para enfeitar a escola, conversar sobre o manual de conduta nos treinamentos, entender que a experiência de cada uma é importante e essencial para o projeto é muitos transformador para a música, mas também é transformador para repensar as invisibilizações e a construção de um sentido de grupo, de cooperação e de não-competitividade entre meninas, entre mulheres.
“Quem são as mulheres da música que te inspiram?”, perguntamos para cada uma das meninas na oficina de teclado – e pedimos que elas trouxessem no outro dia nomes de mulheres tecladistas, compositoras, cantoras, que fossem referência para elas.
Ver as meninas chegando no primeira dia do Camp, olhinho brilhando, olhando um a um todos os cartazes espalhados pela escola, ver a forma como elas lidam com as idades diferentes, as trajetórias, as motivações, o encantamento dançando com as bandas nos shows do horário do almoço, cada uma destas coisas são motivadoras e instigantes para um mundo da música onde a presença de mulheres seja uma constante. “Ela quer muito!”, diziam as mães. “A gente também!”, nós pensávamos.
Hino do Girls Rock Camp Porto Alegre 2017
Posso ser presidenta, engenheira ou astronauta
Posso tocar bateria, guitarra ou flauta
Quem é você para dizer o que uma menina faz
Só eu sei do que eu sou capaz!
O camp é um lugar de amizade e alegria
Lugar de aprender com outras gurias
Pois sou muito melhor com as amigas
E é só começo da nossa nova vida!
Por isso vamos todas
Gritar: VOU CONSEGUIR!
Juntas somos mais fortes!
Não vou desistir! (2x)