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Atração do Dekmantel, DJ Courtesy fala sobre Elis Regina e representatividade feminina na música

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Da Redação

Ainda que a Dinamarca não figure nas listas de pólos dançantes do mundo eletrônico, Courtesy brilha levando com ela uma imensa carga de autenticidade que, segundo ela mesma, foi nutrida e refinada em Copenhague, sua cidade natal. Parte de uma cena que ajuda a movimentar há uma década junto ao núcleo de agitadoras de pista Apeiron Crew, ela se firmou com uma das forças criativas centrais de um circuito artístico em franca expansão.

Agora como embaixadora da musicalidade de seu lar, ela chega ao Brasil para se apresentar no festival Dekmantel. A conversa com ela flui fácil e ela demonstra tanto domínio de sua imagem, opinião e destino quanto exibe em suas deliciosas seleções e serve como um excelente prenúncio para o que nos aguarda no aclamado festival holandês que chega ao antigo Playcenter em março.

É sua primeira vez se apresentando em qualquer edição do festival, certo?

Exatamente, meu debut com o Dekmantel vai ser em solo brasileiro. Acho que é uma ocasião especial, por tudo que ela envolve em diversas esferas.

Então dá para dizer que há uma certa ansiedade ou algumas expectativas envolvidas?

É inevitável se empolgar e tentar imaginar como será, ainda mais quando se inclui uma frustração inicial na equação. Eu pessoalmente procuro não criar expectativas, mas sim algumas imagens na minha mente, fantasias de como será. Creio que sempre há alguma curiosidade elementar sobre o público, sobre como vou conseguir me comunicar com todos através da música.

Mesmo assim, não é como se fôssemos completos estranhos para você, não é? Há um vínculo prévio já formada, com artistas e núcleos locais. Especialmente aquele que, como você, foram parte da RBMA e Tóquio em 2015.

Sem dúvida alguma. A Valesuchi e eu conversamos com muita frequência, é um laço que você cria com seus colegas de academia e ele consegue resistir ao tempo e à distância. Em nosso caso, também fazemos parte da família estendida do Sónar, já que nos apresentamos pela primeira vez no mesmo ano. Falamos sempre sobre todos os nosso interesses comuns e também estou muito feliz de tocar em Santiago, sua terra natal, nesta turnê. Além disso, ainda que ele não estivesse no mesmo termo que eu daquela turma da RBMA, o Pedro Zopelar é um amigo que estimo e um talento que admiro muito. Todos esses laços foram criados em Tóquio, nessa rede de artistas que se reuniu ali e que permaneceu em contato por afinidades e interesses comuns.

Então você vai fazer uma turnê na região também? Pré ou pós Dekmantel?

Estou bastante empolgada. Vai ser uma turnê longa que passa ainda por Nova Zelândia, Austrália, Noruega, daí América do Norte, São Paulo e mais outras cidades da América do Sul. Eu tenho andando na estrada bastante ultimamente, mas esta jornada vai ser uma das mais longas que já fiz.

Já tem algum tipo de método ou estratégia para não virar refém de uma agenda implacável de datas? Isso interfere em algum tempo que você gostaria de gastar no estúdio?

Bom, eu não produzo, então este problema não me afeta tanto. Sou uma DJ, gosto de tocar e, ainda que não possa dizer que jamais vá produzir algo, este não é um dos meus planos imediatos. Mas, no que se refere a enfrentar uma agenda como essas e não permitir que ela me consuma, isso é algo que estou aprendendo a fazer e sei que faço até bem. Valorizo o meu sono, cuido da minha saúde, mesmo que adore festejar e curta muito estar num club apreciando e dançando ao som dos sets de colegas e amigos, me resguardo quando posso. Ademais, gosto dessa correria, ela me gratifica e inspira, já que desde criança sonhava em viajar pelo mundo, conhecer lugares e pessoas. Então, sei bem que sou privilegiada em poder fazer o que amo de uma forma tão enriquecedora e emocionante, tocar para distintos públicos e diversos locais.

Como chegamos a esse tópico, vale perguntar: onde é sua casa? Ainda vive em Copenhagen?

Sim, ali é onde nasci,cresci e me tornei DJ, é o que chamo de lar até hoje. Porém, logo após essa turnê vou me mudar para Berlim, por diversos motivos e não estritamente profissionais. Vou para lá porque ficarei perto de tudo que movimenta minha vida atualmente, tenho colegas e amigos vivendo lá e certamente é o local em que você encontra quem precisa ou deseja co a maior facilidade ou frequência. A proximidade da Dinamarca certamente tornam tudo menos drástico, já que tenho família e amigos ali, além de uma comunidade artística, das quais não tenho a menor intenção de me afastar.

Há quanto tempo você toca?

Já toco há dez anos e minha cidade natal é o solo no qual cultivei meus gostos, moldei tanto minhas iniciativas como minhas aspirações e encontrei pessoas que tinham em comum comigo essa paixão, pelos discos e a música que eles carregam, assim como por tudo que é possível fazer com eles. O coletivo do qual fiz parte durante bastante tempo de minha carreira, Apeiron, é o entrecruzamento de alguns dos elementos mais cruciais que fazem de Copenhagen um lugar especial para mim, entre as lojas de discos, as festas, toda a comunidade que se forma em torno disso…

Hoje em dia você percorre o mundo como artista solo, mas ainda há uma conexão com as suas colegas da Apeiron e a cena dinamarquesa como um todo?

Seria impossível para mim cortar toda e qualquer tipo de ligação com tudo o que ainda existe ali, seja o que ajudamos a construir ou o que me nutriu como DJ. Nem tenho como negar que foi meio assustador embarcar nessa aventura sozinha, já que nosso ambiente sempre foi de muita camaradagem e apoio mútuo. Mama Snake e as meninas sempre me mantiveram afiada e desafiada, dentro da nossa dinâmica interna de estímulo recíproco e de intercâmbio de ideias e projetos. E ainda em meio a isso tudo conseguimos apoiar nossa comunidade local de artistas.

Isso é algo ainda é feito através do Ectotherm, não?

Claro, é uma extensão desse trabalho de divulgar o talento que se forma e se desenvolve no quintal de casa e é um esforço do qual retiramos muito orgulho e satisfação. Ser uma plataforma para pessoas cuja trajetória vimos de perto ou mesmo que seja um talento completamente novo é um privilégio e é muito bom poder fazer isso de diversas maneiras e pelo mundo todo.

Mas, voltando ao Apeiron, sendo formado por mulheres exclusivamente, ele se formou como um coletivo que procurava dar maior visibilidade a um grupo que, de outro modo, não teria essa estrutura para se expressar ou foi fruto de algo mais circunstancial? Porque, ainda que isto possa parecer uma visão meio idealizada, parece um tanto difícil imaginar as mulheres dinamarquesas passando pelas mesmas agruras que as demais pelo mundo e a união parece ter tido bons resultados em termos de proteção e promoção feminina atualmente.

Nós nos juntamos por afinidades musicais e artísticas, tínhamos muito em comum e, como eu disse, criamos uma relação muito fértil de cooperação e competição entre nós que nos fortaleceu muito. É fato que não enfrentamos um ambiente tão hostil, os homens dinamarqueses não têm problemas em lidar e expressar seus sentimentos e sabem ser doces e compreensivos sem que isso seja um demérito ou embaraçoso.

Há uma maior liberdade para as mulheres serem o que quiserem e puderem e, por isso, há muitos exemplos a serem seguidos, muitos modelos femininos positivos. O que se vê hoje ter se tornado um ponto de contenda e, para você, faz parecer com que sejamos relativamente progressistas, é fruto de ignorância e insegurança e deve ser combatido por todo mundo, não só as mulheres. Talento e capacidade não tem nada a ver com gênero.

E a música de maneira mais ampla e abstrata, qual o lugar dela na sua vida?

Não cresci num ambiente propriamente musical, minha mãe sendo professora e meu pai dentista, um fato que sempre me proveu estabilidade, seja financeira ou profissional, já que pude trilhar meu próprio caminho sem nenhum tipo de comparação ou pressão. Ali eles ouviam música e eu também, por proximidade. Contudo, minha paixão foi se desenvolvendo naturalmente, através da adolescência até hoje, ao ponto em que posso dizer com toda segurança que a música não é apenas uma profissão, é algo intrínseco ao que faço, vivo e sinto. Vai da minha paixão por garimpar discos até tocar diante de um público para compartilhar todos esses achados e promover artistas cujo trabalho me encanta. Eu adoro particularmente ir atrás de coisas dos anos noventa, entrar numa loja e me perder naquele mar de possibilidades e achados.

E nossa música? Ela teve um lugar especial nessa paixão?

Meu contato com a música brasileira é recente, saí para comprar alguns discos quando vim pela primeira vez e acabei ficando com mais tempo livre que o planejado, infelizmente. Peguei um disco da Elis Regina que acabou se tornando a trilha doméstica do meu verão, bebendo vinho na sacada de casa, e me perdendo na beleza daquela música. Fez absolutamente todo sentido.

E, levando tudo que conversamos em conta, o que sobra para dividir com as meninas que se aventuram pelo mesmo mundo que você já desbrava há dez anos?

Acho que, se puder dar algum conselho ou aviso, seria o de pararem de acreditar nesse mito irrealista de que todo mundo tem talento nato. Mesmo para que tem, e são pessoas especiais, nunca é fácil. Eu demorei muito, mas muito mesmo para aprender a mixar músicas do jeito que queria e gostava de ver sendo mixadas, beatmatching me tomou muito tempo e dedicação. Então, acho que se frustrar é muito improdutivo e treinar é o que mais conta. Pode ser que leve mais tempo, pode ser que leve menos, mas vai ser o seu tempo.

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